Archive for julho 2013

Bem-Aventurados os Misericordiosos - Capítulo X - "O Argueiro e a Trave no Olho"

É bem conhecida a analogia que fez Jesus, ao nos explicar um dos mais profundos males da humanidade. Temos conosco, em razão de nosso grau inferior de evolução, a tendência de julgar duramente os outros por seus erros, ao passo que, em relação a nossos próprios erros, somos poços de indulgência.

Onde está nisso a caridade e o perdão?

Por tantas vezes já ouvimos sobre os benefícios infinitos do perdão, da humildade e da misericórdia; ainda assim, a mensagem já decorada pelo cérebro pouco afeta o coração.

Continuamos reproduzindo, apesar de nossas boas intenções, os erros originados no orgulho e na arrogância. E até mesmo nossa formação espírita pode se tornar uma armadilha e fazer com que nos acreditemos mais importantes, mais informados ou até mesmo, de certa forma, superiores àqueles que seguem outras doutrinas ou que não seguem doutrina alguma.

Tal conduta só serve para mostrar a nós mesmos nossa própria insegurança, que tem por origem a sensação de inferioridade natural que sentimos por termos nos afastado do Criador, caindo nas fileiras da maldade.

Assim, uma das melhores formas de reconstruir as pontes que nos ligam a Deus é exatamente a autoaceitação, o reconhecimento de nossas fraquezas, a misericórdia com os outros, a alegria sincera pelo sucesso alheio, a tomada da responsabilidade por nós mesmos. Tudo isso tem apenas um nome: o autoamor.

Quando nos aceitamos e nos amamos, não temos necessidade de procurar o mal em outrém para nos envaidecermos. Sabemos quem somos, compreendemos os limites que nos impõe nosso grau de evolução e, em contato com o outro, buscamos nele o melhor, perdoando-o por suas próprias limitações.

É esta uma das formas mais belas de caridade.

Procuremos, através da reforma íntima e do autoconhecimento, a retirada da trave de nossos olhos, através da aceitação e do amor a nós mesmos; é esta a única forma de amarmos também ao próximo.

Trabalhadores da Última Hora - Capítulo XX - « Missão dos Espíritas »

O ingressar no estudo do Espiritismo é, por si, uma missão. Imbuídos de centenas das respostas às perguntas que assolam a alma da humanidade há séculos, temos o dever de "não colocar a candeia debaixo do alqueire" e partilhar, o quanto for possível, de tais conhecimentos.

O espírito Erasmo, em breves mas preciosas linhas, nos convida à pregação dos princípios divinos, com amável atenção ao conhecimento da reencarnação, conceito fundamental da Doutrina Espírita.

Tal pregação, porém, não será necessariamente o falar às grandes multidões. Para tal trabalho, não será nem mesmo necessário ter as qualidades do bom orador ou os méritos adquiridos nos cursos de expositor. Pregaremos aos nossos conhecidos, a nossos parentes e amigos, através da conversação gentil, respeitando sempre o livre-arbítrio alheio.

Em nosso tempo de mídias sociais, em que a comunicação atinge patamares outrora desconhecidos, a difusão do conhecimento que adquirimos através do estudo do Espiritismo torna-se ainda mais simples.

Diremos talvez palavras que se perderão na recusa e no desinteresse, mas não devemos deixar que o desânimo nos atinja: haverá sempre alguém para escutá-las, encontrando nelas o tão esperado consolo.

As palavras, porém, não são a única forma: nossas ações falam sempre muito mais alto. De nada adiantarão as pregações vazias, exigindo do outro a resignação e a humildade, quando nós mesmos não agimos de acordo.

A mensagem que proferimos deverá também ser ouvida e seguida por nós mesmos. Desta forma, ao ver-nos resignados diante do sofrimento, cheios de fé e alegria pela tão rara chance do aprendizado através da reencarnação, aqueles que nos rodeiam terão diante de si a prova viva da veracidade das idéias e princípios pregados.

Falemos, sempre com a esperança de que nossas palavras não serão perdidas, mas, acima de tudo, façamos de nossas vidas a própria pregação.

Pequena discussão sobre a Fé e a Razão

Este pequeno texto, de intuito explicativo, foi escrito por mim há alguns anos. Resolvi colocá-lo aqui apenas a título de complementação aos estudos do Evangelho Segundo o Espiritismo e da Doutrinha Espírita como um todo. 



Tomando como ponto de partida o mito de origem da humanidade retratado no Evangelho, ou seja, a história de Adão e Eva e sua expulsão do paraíso edênico, pode-se afirmar que a Razão é o primeiro impulso humano. É o desejo do conhecimento, da ciência, a vontade de saber tudo através de seus próprios meios. Por si só, tal atitude não tem nada de repreensível, e a "expulsão do paraíso" não significa a repreensão -- antes, ela significa o afastamento do homem da fé cega, para que, após adquirir o conhecimento necessário, retorne à fé, mas a uma nova fé. 

A fé, destituída da razão, não serve para muita coisa -- sem o conhecimento de causa, ela se assemelha mais à submissão e talvez até a uma certa imaturidade espiritual. A fé renovada, trazida a nós pela Doutrina Espírita, acontece através da transcendência da própria racionalidade.

O espírito atinge a maturidade da fé a partir do momento em que, adquirido certo grau de conhecimento, que em muitos casos pode empurrá-lo na direção do infértil ceticismo, ele o transcende e cria a coragem e a humildade para crer naquilo que, no meio científico materialista, é julgado "inviável". A razão é necessária, pois o conhecimento e o amadurecimento intelectual são necessários, mas tornar-se prisioneiro da matéria e do "ver para crer" é uma falha tão grande quanto a fé cega, tão reprovada pelos mesmos meios científicos.

Os homens foram colocados no mundo (ou "afastados do paraíso") para que aprendam por si mesmos, seguindo o mesmo princípio das conhecimento empírico, e para que, só então, reconheçam com humildade que a "razão pura" tem limites: ela abrange certos graus de conhecimento, mas é incapaz de transcender a matéria.

Segundo Platão, a Verdade não pode ser alcançada somente através do exercício da dialética, que se baseia no princípio de que toda hipótese encontrará sua antítese e então, a partir da união das duas, será gerada uma tese, que se transformará numa hipótese, encontrará sua antítese, e assim por diante -- sendo esse o princípio de todo pensamento racional: para Platão, a dialética pode explicar o mundo até certo ponto e, após isso, é preciso elevar-se acima dela e, através de Eros (o Amor), encontrar a Verdade.

O Eros de que fala Platão é precisamente a fé renovada da qual falamos. 

Não se trata de abandonar a capacidade de pensamento crítico -- muito pelo contrário; o pensamento crítico e racional, é em realidade um degrau necessário para a ascensão ao verdadeiro pensamento, que se desliga da matéria para superá-la.

Da mesma forma, o corpo é necessário para a vida na Terra, e reconhecemos suas limitações: ele precisa de alimento, descanso e saúde para funcionar, o que impossibilita sua autonomia; a razão, também, não é autônoma. Assim como o espírito imortal se aprimora através da vivência terrena, o pensamento se aprimora através da razão -- e a consciência da vida espiritual, além da matéria, é exatamente a consciência da fé, que é o pensamento autônomo, completo, que articula o conhecimento terreno com o conhecimento espiritual: a maturidade última do pensamento. 

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