Compromissos no Plano Espiritual

Tão logo começamos a estudar a doutrina espírita, começamos também a interpretar os acontecimentos de nossas vidas do ponto de vista espiritual, Principalmente quando nos encontramos diante de dificuldades. Não tardamos a nos perguntar o que fizemos, numa outra encarnação, para merecer aquilo que vemos como uma punição, um castigo. E, muitas vezes, incapazes de adivinharmos o passado, nós julgamos injustiçados.

Não nos lembramos dos momentos passados na erraticidade, isto é, no plano espiritual, antes de reencarnar. Existem, é claro, muitos casos diferentes, pois cada um de nós é um espírito individual, com uma história e uma evolução próprias — mas muito comum é o espírito que, quando desencarnado, dá-se conta do peso de seus erros, compreendendo ter perdido tempo com propósitos desimportantes, e pede uma nova chance de reencarnar na Terra.

Nesta nova chance, suplica o espírito que quer passar por difíceis provas e expiações - doenças dolorosas, dificuldades financeiras, incompreensões — para mais rapidamente "expurgar" seus erros e assim avançar espiritualmente. Porém, Deus, em sua infinita e incansável misericórdia, não pede sacrifícios, que além de não ajudarem, às vezes mais ainda atrapalham a jornada evolutiva do espírito — e embora muitos de nós ainda devam passar por duras provas, mais numerosos são aqueles que têm seus pesares aliviados, através de uma missão.

Esta missão, que tem por objetivo resgatar as dívidas do espírito através do trabalho, não é necessariamente algo grandioso — muitos de nós, quando ouvem a palavra "missão" pensam automaticamente em espíritos altamente evoluídos como Jesus ou Ghandi. Uma missão pode ser simples como trabalhar em favor das crianças sem lar, dos idosos abandonados, ser médium em um centro espírita, entre outros — em suma, uma missão é um trabalho que nos é atribuído de acordo com nossas capacidades e talentos para que possamos ajudar o outro enquanto nos ajudamos também a nós mesmos.

Quando encarnados, não nos lembramos de nada disso, mas recebemos a inspiração de espíritos superiores para que compreendamos a tarefa — seja através de mensagens mediúnicas, de sonhos ou de simples pensamentos que nos aparecem como qualquer outro. Não nos lembramos claramente de nossos compromissos, mas somos sempre intuídos, e por isso é importante prestarmos atenção em nossos pensamentos e intuições. Infelizmente, nem todo espírito que reencarna com uma missão termina por cumpri-la — frequentemente nos deixamos envolver por outras preocupações, adiando sempre aquilo que releva do espiritual, até que seja tarde demais.

Quando chega a hora do desencarne, nada se pode se fazer pelo tempo perdido, e uma reencarnação passada sem avanços espirituais é uma perda imensa, um desserviço que fazemos a nós mesmos.

Não deixemos que isso aconteça. Ainda que não nos lembremos dos compromissos assumidos, trabalhemos sempre pela nossa transformação interior, perdoando e ajudando sempre. Seguindo os princípios morais do amor pregados por Jesus, temos a certeza de estar fazendo o melhor para nosso próximo e para nós mesmos.

Desarmonização e Crescimento Espiritual

Por vezes, é normal sentir que a vida que levamos na Terra - e que consiste no que chamamos de "vida real", com tópicos como trabalho, família, relacionamentos, posicionamento político, ocupando as principais fileiras de nossa atenção -, é normal sentir que esta vida se impõe de tal forma que não temos tempo para mais nada. Nossa educação espiritual fica, então, comprometida e deixada em segundo plano.

Quando isso acontece com muita frequência, acabamos por nos desarmonizar espiritualmente. 

A desarmonização ocorre quando nós nos desligamos pouco a pouco dos ensinamentos do Cristo, fazendo com que nosso crescimento fique estagnado, abrindo portas para que os maus hábitos que nos esforçamos para erradicar voltem a atrapalhar nossa jornada. 

Infelizmente, é difícil perceber quando nos desarmonizamos, a não ser que estejamos muito atentos ao que se passa em nossa mente e coração. Assim percebemos que estamos mais irritadiços, mais propensos a reclamar e a nos sentirmos, de modo geral, insatisfeitos. 

É importante mantermos em mente o ensinamento que Jesus que nos diz para, constantemente, orar e vigiar. Dessa forma, caso nós encontremos desarmonizados saberemos reconhecer os sinais e trabalhar para que nos rearmonizemos. Essa rearmonização pode ser através do estudo do Evangelho e dos demais livros espíritas que podem ser encontrados tanto na internet, quanto em livrarias e bibliotecas; da prática diária ou semanal do Evangelho no lar; da freqüentação de casas espíritas ou grupos sérios de estudo; e principalmente da aplicação dos princípios de conduta da caridade, da fé, do amor e do respeito. 

Mais do que nosso corpo, nossa mente é um templo. É dentro dela que vivemos, é através dos pontos de vista ali guardados que interpretamos nossas experiências no mundo. Assim, é imprescindível que esse templo seja mantido em boas condições e protegido de pensamentos negativos que comprometerão nossa vida espiritual e, por consequência, nossa vida terrena. 

Estejamos então sempre atentos ao que se passa em nosso espírito, para que ao menor sinal de desarmonização, saibamos corrigir nossos pensamentos e condutas, sempre com a nossa melhoria pessoal e espiritual como prioridade: a vida terrena, com todos os seus problemas, é efêmera e passageira, mas a vida do espírito é eterna.

O que é o Espiritismo (e o que ele não é)

Muitas vezes, ao nos depararmos com uma nova doutrina, como o Espiritismo, que está em plena ascensão no Brasil e que depois de alguns anos conhece uma expansão jamais vista, temos dificuldades para compreender do que se trata. Espero, com este post, esclarecer algumas dúvidas sobre o que é o Espiritismo, sobre aquilo que ele pode trazer para nossas vidas e qual é sua tarefa.

O Espiritismo é, antes de tudo, uma ciência. Ele é considerado a terceira revelação de Deus para a humanidade (a primeira sendo Moisés, que nos trouxe os Dez Mandamentos, e a segunda sendo a vinda de Jesus, que estabeleceu a base dos códigos morais e de conduta que seguimos até hoje, na doutrina cristã). Através do Espiritismo e do contato com os espíritos, a humanidade recebeu provas definitivas da existência do plano espiritual—a vida após a morte—e da reencarnação, bem como muitas informações sobre seu funcionamento. 

Um dos principais diferenciais da doutrina espírita é que ela se apóia sobre o pensamento racional e sobre a lógica, fazendo que com que qualquer mal entendido ou contradição em relação à doutrina do Cristo caia por terra, tirando força do misticismo e apresentando argumentos concretos e coerentes contra o ceticismo. Além disso, o Espiritismo destrói de uma vez por todas a figura de um Deus vingativo ou inconsistente, revelando aos homens a misericórdia e a bondade infinitas de um Criador que não apenas reconhece e aceita nossas falhas, mas que jamais as julga e que nos dá incessantes chances de corrigi-las. 

A doutrina espírita, como percebemos através de nossos estudos do Evangelho Segundo o Espiritismo, é uma doutrina de transformação interior. Através dos exemplos de espíritos encarnados e desencarnados, compreendemos cada vez mais que nossa felicidade e realização estão inegavelmente ligadas à nossa evolução espiritual—e não são poucos os conselhos, livros e tratamentos à disposição para nos possibilitar tal evolução. Esta é sua tarefa: trazer conhecimento e harmonia às sociedades, através da edificação de cada um de nós. 

A mediunidade, presente em toda e qualquer religião, ganha destaque no Espiritismo, pois nela reside a base da doutrina. É através do trabalho dos médiuns que o Espiritismo foi codificado por Allan Kardec, e através desse mesmo trabalho que estabelecemos uma comunicação de integridade e respeito com o plano espiritual. Todas as pessoas são médiuns em potencial, e essa mediunidade é desenvolvida de acordo com a necessidade e o comprometimento do médium.

Porém, o Espiritismo nada tem de mágico. O médium não é um oráculo e nem um adivinho. As mensagens e informações que ele recebe não têm por objetivo prever o futuro ou fazer favores. Tudo o que se passa em um centro espírita tem de estar de acordo com os ensinamentos da doutrina e, portanto, têm de ter como principal tarefa o aprendizado e a melhoria espiritual dos envolvidos—tanto do próprio médium quanto da pessoas que buscam amenizar seus sofrimentos no Espiritismo. Não existem milagres e nem saltos na evolução: tudo o que se adquire é em função do merecimento próprio. 

Este é o ponto em que muitas pessoas, de início entusiasmadas com as possibilidades da mediunidade, acabam por se desanimar. A verdade é que muitos de nós esperam o equivalente espiritual de ganhar na loteria: uma larga soma de benefícios sem trabalho e sem sofrimento. Essa expectativa denota de nossa imaturidade e de nosso pouco conhecimento, mas, através do estudo, compreenderemos cada vez mais como é necessário passarmos por todos os estágios da evolução, ainda que lentamente, para só então merecermos aquilo que se chamamos de Reino de Deus. 

Irmãos, aprendamos com os exemplos de nossos amigos espirituais e de nosso mestre, Jesus, a sermos trabalhadores e humildes para que mereçamos tudo o que Deus tem para nos oferecer—os tesouros celestes que não perecem, que não desaparecem jamais, mas que perduram em nossos espíritos em ecos de luz e alegria. Determinemo-nos, de uma vez por todas, a nos tornarmos mulheres e homens de bem. Não é uma jornada fácil, mas temos o Espiritismo, bem como muitas outras doutrinas de luz, à nossa disposição para nos auxiliar na caminhada. 


Não deixemos que ainda mais uma oportunidade seja desperdiçada com preocupações fúteis. Não queiramos abreviar o caminho de outra maneira que através da caridade, do amor, da fé e da disciplina. Sabemos sobre o reino que nos espera, cheio de amigos que torcem por nós—somente a nós cabe irmos de encontro a ele. 

Ninguém pode ver o reino de Deus, se não nascer de novo - Capítulo IV - “Os laços de família são fortalecidos pela reencarnação e rompidos pela unicidade de existência”

Uma preocupação recorrente, durante o aprendizado da doutrina Espírita, se refere aos laços afetivos que criamos com familiares, amigos e esposos. De que adianta criarmos esses laços e nos envolvermos tanto, se seremos separados numa reencarnação futura, na qual criaremos outros laços, com outros espíritos? Por que deveria me empenhar em amar, se esse amor será em vão?

Trata-se de um questionamento justificado. De fato, a reencarnação seria um sistema de crueldade se, a cada vida, fôssemos afastados das almas com as quais temos afinidade, aquelas com as quais desenvolvemos relações de amor, e fôssemos colocados entre estranhos. Se isso realmente acontecesse, seríamos obrigados a confirmar que um dos maiores medos do ser humano é real: a solidão, o isolamento. Mas como poderíamos crer na existência de um Pai amoroso, se as coisas se passassem dessa forma? 

Felizmente, não precisamos temer - pois que ao invés de romper os laços criados, a reencarnação os *fortalece*. 

Os espíritos criam, na erraticidade, grupos ou famílias, com bases na afeição mútua. Aqueles que estão desencarnados velam e protegem os encarnados, e uma vez no plano espiritual, todos se reencontram “como amigos na volta de uma viagem”. Também é bastante frequente que dois ou mais espíritos da mesma "família espiritual" reencarnem numa mesma família física, ou que se encontrem durante a reencarnação. Dessa forma, os laços de afeição entre os eapíritos, ao invés de rompidos, são reforçados, pois eles se prolongam além das situações transitórias da vida terrena, e além da morte corporal. São laços de amor imortal, que se purificam a cada encarnação. 

É possível, porém, que um espírito tenha como prova ou missão de reencarnar no seio se uma família com quem não possui verdadeira afinidade. Quando isso acontece, o objetivo é que os espíritos envolvidos possam aprender uns com os outros, superar diferenças de encarnações passadas, etc. Uma outra possibilidade é a de um espírito encarnar em uma família de diferente grau de evolução - assim, “os maus se melhoram pouco a pouco, ao contato dos bons e pelas atenções que deles recebem”.

Kardec traça, neste artigo do Evangelho Segundo o Espiritismo, uma comparação entre as doutrinas anti-reencarnacionistas e o Espiritismo, no que se refere ao assunto da ruptura dos laços de afeição. Segundo ele, o ser humano se depara com quatro possibilidades, ao desencarnar: “1) o nada, segundo a doutrina materialista; 2) a absorção no todo universal, segundo a doutrina panteísta [como o Hinduísmo e o Taoísmo]; 3) a conservação da individualidade, com fixação definitiva da sorte [Paraíso ou Inferno], segundo a doutrina da Igreja; 4) a conservação da individualidade, com o progresso infinito, segundo a doutrina espírita”.
A comparação de Kardec não tem por objetivo criticar as concepções de outras doutrinas, mas apenas de demonstrar como a questão dos laços familiares é tratada por cada uma delas e como a teoria da reencarnação é a única que oferece uma justificativa viável para tal questão.

Assim, fiquemos seguros, sabendo que estaremos sempre amparados por nossas afinidades espirituais - quer estejamos encarnados ou desencarnados. Os laços terrenos são por vezes prejudicados por paixões ou interesses materiais; mas os laços de afeto espirituais são verdadeiros. Não estamos nunca realmente sozinhos.

Feminismo e Espiritismo - Parte 1

Para entendermos melhor as possíveis relações entre o feminismo e o espiritismo, é preciso que antes de tudo sejamos capazes de compreender, historicamente, a relação entre o masculino e o feminino enquanto formas de organização social. Depois de estabelecidas essas informações, poderemos passar a questionamentos mais profundos sobre o gênero até chergamos ao conceito de feminismo.

Gostaria de explicar que a relação entre o espiritismo e o feminismo que será estabelecida aqui não reflete necessariamente a visão espírita de modo geral. Trata-se apenas de um estudo que busca explicar o social pelo espiritual, numa tentativa de produzir um estudo de Sociologia Espírita, com base em leituras e reflexões individuais. 

O tema será dividido em 4 capítulos principais:

I - A organização social ditada pelo gênero
II - O gênero e a espiritualidade
III - A evolução do planeta
IV - O feminismo

Peço, uma vez mais, paciência com as postagens, posto que o assunto pede pesquisas aprofundadas que nem sempre tenho tempo de fazer durante a semana - no momento, ando mais ocupada do que de costume com a faculdade. Dito isto, comecemos. 


I - A organização social ditada pelo gênero

A sociedade nem sempre se construiu da forma que conhecemos hoje em dia. A cada época e a cada civilização correspondem formas de organização sociais diferentes, com seu conjunto de normas, valores e hábitos particulares, que resistiram ou não às transformações naturais da história. 
A realidade que conhecemos é o produto dessas constantes criações e transformações. Aquilo que consideramos real socialmente não é, de fato, sólido e imutável. Para que a realidade exista, ela precisa ser criada.
Podemos observar que em todas as sociedades conhecidas, o gênero foi, desde o princípio, um elemento importante na constituição da realidade social e da organização social, principalmente no que diz respeito à divisão de tarefas. 

a. O mundo cosmogônico

O mundo cosmogônico (ou pré-moderno) é caracterizado pela idéia da unidade. Tudo o que existe, nesse mundo, está em relação com todo o resto, numa dinâmica de complementaridade, pois tudo faz parte da mesma criação divina. O feminino e o masculino, por consequência, são vistos como forças opostas, mas complementares, onde cada um tem uma tarefa específica. O que importa, neste contexto, são as relações entre os indivíduos, o seu papel dentro da sociedade, a transmissão de tradições e hábitos - e não os indivíduos em si. 
Nesse caso, ser homem ou ser mulher significa apenas um papel a ser seguido, uma tarefa a ser performada. Por exemplo: o homem é aquele que sai em busca de alimento; a mulher é aquela que cuida das crianças, etc. Segue-se uma lógica « inversa » daquela à quais estamos acostumados: 

Se o indivíduo performa as tarefas consideradas femininas, ele é mulher.
Se o indivíduo performa as tarefas consideradas masculinas, ele é homem.

Na tribo dos Nuers, na África, o papel da mulher estava relacionado apenas à reprodução. A mulher era retirada de sua família para casar-se e ter filhos que pertenceriam ao clã do marido. Quando se descobria que uma mulher era estéril, ela era devolvida à sua família - já que ela não podia ter filhos, ela não era mulher, ela era um homem - e, em seguida, ela deveria procurar uma esposa para casar-se; a mulher estéril faria então o papel do homem, participando de todas as atividades masculinas. 
Em inúmeras sociedades tribais Norte-Americanas, existia o conceito de two-spirits (dois espíritos), que era um indivíduo que, por diferentes razões, performava o papel de homem simultaneamente ao papel de mulher (sendo considerado assim portador de dois espíritos - um feminino e um masculino). Em outras tribos, também Norte-Americanas, no momento do ritual de passagem da infância para a adolescência, eram colocados na frente da criança uma flecha e uma cesta, para que ela escolhesse entre os dois. Caso ela escolhesse a flecha, ela era « homem » e iria participar das atividades masculinas; caso escolhesse a cesta, ela era « mulher » e, caso escolhesse ambos (ou nenhum), ela era considerada two-spirits
Mesmo em diversos manuais de medicina europeus, até em meados do século XVI, os órgãos sexuais eram representados como sendo um órgão único, comum a ambos os sexos: um era o sexo « interno » e o outro « externo ». 
Percebemos então que, em diversos lugares do mundo, e em diversas épocas diferentes, era o gênero - ou seja, o papel social do indivíduo - que determinava seu sexo, e não o contrário. O sexo biológico não tinha autonomia nenhuma na definição dos indivíduos. 


b. O mundo moderno

No mundo moderno (a partir do século XVI), a evolução da ciência começa a "categorizar" o mundo, em todos os seus aspectos. Opera-se aí uma fragmentação da realidade. Não consideramos mais o mundo como unidade - ele se desfaz em estilhaços que devem ser estudados individualmente para que possamos compreendê-lo. 
Cria-se então o conceito de "natureza", que até então não existia como conceito autônomo. E é a natureza que, através das Ciências Naturais, ditará as regras nesse novo mundo. 
No que se refere ao gênero, acontece uma inversão - não é mais o papel na sociedade que define o indivíduo, mas o contrário: é o corpo do indivíduo que define seu papel na sociedade.

Se o indivíduo é biologicamente mulher, ele deverá performar as atividades consideradas femininas.
Se o indivíduo é biologicamente homem, ele deverá performar as atividades consideradas masculinas.

Esta abordagem é chamada "Naturalista", porque ela supõe que a identificação do sexo (biológico) com o gênero (performativo) é natural. É dessa abordagem que derivam inúmeras afirmações que tomamos como verdades absolutas hoje em dia - como a crença de que a mulher é "naturalmente" mais dócil do que o homem, ou de que o homem é "naturalmente" mais violento do que a mulher. Porém, devemos nos lembrar de que essas afirmações são apenas o reflexo de uma corrente de pensamento - vimos, mais acima, como indivíduos de sexos biológicos feminino podem se adaptar às tarefas masculinas (caça, guerra) e vice-versa. Esta realidade, que tomamos por imutável, é, também, resultado de criações e transformações sociais. 
No mundo cosmogônico, como já dissemos, os gêneros uniam-se e separavam-se por uma lógica de complementaridade. Existia, é claro, uma hierarquia de poder, mas ela estava ligada ao papel do indivíduo na sociedade, e não à identidade do indivíduo em si. 
No mundo moderno, essa hierarquia continua a existir, mas ela se torna desequilíbrio. O indivíduo é "prisioneiro" de seu sexo biológico; é seu corpo quem define qual será sua conduta social, psíquica, sexual e afetiva. 
Nesse mundo, quando o gênero e o sexo biológico não se correspondem, o indivíduo é considerado louco, perverso ou doente - que é como foram vistos, durante tantos anos, os homossexuais, os transexuais; para as mulheres, criou-se até mesmo uma doença, a "histeria", que mais tarde provou-se ser apenas o resultado de uma repressão sexual intensa. 



c. A abordagem construtivista

A abordagem melhor considerada nas ciências sociais, atualmente, é a Construtivista - um reflexo do pensamento feminista atual, a partir das reflexões de Simone de Beauvoir em seu livro "O Segundo Sexo"e também de Judith Butler, para quem "o gênero é performativo"- onde considera-se o gênero como uma construção social. 

Não é que a mulher seja mais apta a performar atividades "femininas", na verdade ela é ensinada desde muito cedo a performar tais atividades.
Não é que o homem seja mais apto a performar atividades "masculinas", na verdade ele é ensinado desde muito cedo a performar tais atividades.

Fala-se de socialização - que significa ensinar ao indivíduo o papel que é esperado dele, socialmente. Vemos isso acontecer desde a mais jovem infância - os brinquedos e atividades vistos como "de menina" relacionam-se sempre com o cuidado de crianças, o cuidado da casa, a moda (visto que a aparência é considerada de extrema importância para as mulheres), a amizade, a docibilidade; enquanto os brinquedos e atividades "para meninos" têm uma dinâmica completamente diferente, que se relaciona antes à competição, à violência, à auto-afirmação. Desde cedo, fica claro à criança o que se espera que ela seja - e principalmente, o que se espera que ela não seja. 

Creio que essa abordagem é a que melhor se relaciona com o Espiritismo, pois nela considera-se que o indivíduo não nasce "naturalmente homem" ou "naturalmente mulher", o que é uma verdade quando nos lembramos que o espírito não tem sexo ou gênero. Um espírito pode, por necessidade ou escolha, encarnar num corpo feminino logo após uma encarnação masculina, e vice-versa. Essa escolha raramente tem por causa uma "identificação" do espírito a determinado gênero. De acordo com o Livro do Espíritos, questão 202:

"Quando errante, que prefere o Espírito: encarnar no corpo de um homem, ou de uma mulher?
“Isso pouco lhe importa. O que o guia na escolha são as provas por que haja de passar."

Hoje em dia, vivemos uma oposição entre a abordagem Naturalista e a abordagem Construtivista-Feminista, com mobilizações e combates individuais e coletivos que atravessam o planeta. 
Veremos de forma mais profunda como o Espiritismo interpreta o gênero no próximo capítulo. 

O Cristo consolador - Capítulo VI - "Consolador Prometido"

Temos boas razões para acreditar que o Consolador prometido por Jesus, antes de ser uma pessoa física, que viria à Terra na forma de um profeta ou educador espiritual, chegou até nós sob a forma da doutrina Espírita.

Jesus nos diz que o Consolador virá para "nos ensinar tudo". Isso mostra que, apesar do grande número de ensinamentos deixados pelo Cristo, houveram questões que não foram abordadas, em razão do grau de desenvolvimento espiritual e intelectual da humanidade, na época. Foi preciso esperar que a humanidade se despisse de diversos conceitos e superstições para que, enfim, pudesse estar pronta para receber os ensinamentos que viriam complementar àqueles enunciados por Jesus.

Através do contato com os espíritos desencarnados, aprendemos muitas coisas no que diz respeito à nossa condição como seres espirituais. Aprendemos, por exemplo, que a morte não existe de fato, pois o espirito continua, sempre; aprendemos também sobre a maravilha da reencarnação, que nos permite corrigir erros do passado, criar laços de fraternidade com diversos espíritos diferentes, e caminhar em direção à perfeição progressivamente; que nossos sofrimentos vêm muita vezes de encarnações anteriores o que os torna, assim, perfeitamente justificados e justos; aprendemos que não estamos nunca sozinhos, e que basta pedirmos para estarmos rodeados de bons espíritos que estão sempre dispostos a nos guiar. Aprendemos o funcionamento de diversos tipos de manifestação espiritual, e como realmente funcionam aquilo que antes chamávamos de Céu e de Inferno. Aprendemos que não existem castigos e condenações, apenas formas mais ou menos difíceis de aprendizado - e muito mais.

O Espiritismo, como bem nos explica o Evangelho, "levanta o véu propositalmente lançado sobre certos mistérios, e vem, por fim, trazer uma suprema consolação aos deserdados da Terra e a todos os que sofrem, ao dar uma causa justa e um objetivo útil a todas as dores".

Mais do que isso, o Espiritismo traz novamente à tona as questões morais semeadas por Jesus. Não aprendemos apenas como funcionam a vida e a morte, mas também nos foram dadas as ferramentas para que possamos alcançar estados individuais e sociais de harmonia e paz. Relembramos a importância do perdão, do amor ao próximo, da caridade, da resignação, da fé, da humildade, da paciência, da gratidão e da esperança, através dos relatos dos mais variados espíritos que nos dão exemplos concretos para o estudo e a meditação. Assim, compreendemos melhor não só as causas, mas também os efeitos de nossos pensamentos, ações e escolhas. Sabemos de onde viemos e para onde vamos, vendo também que nossa existência não é fruto do acaso e nem sem propósito - temos razões para estarmos aqui, encarnados ou desencarnados, e temos grandes objetivos a cumprir.

Além disso, doutrina espírita nos dá imenso material para pesquisa, para análise e para estudos sobre todas as ciências e campos de conhecimento - e percebemos assim como é infértil e incompleto o pensamento puramente materialista, que não enxerga além da superfície e que não pode dar mais do que respostas parciais sobre o universo em que habitamos e a condição da humanidade.

Por fim, o Espiritismo faz jus ao nome que lhe dá Jesus: um de seus mais marcantes aspectos é a capacidade de consolar os corações mais aflitos, mais doloridos, mostrando o real sentido por trás de tantos acontecimentos pelos quais passamos na Terra. Nenhuma questão fica sem explicação, nenhum pedido de ajuda é ignorado pelos mensageiros de Deus. Tudo tem razão de ser, de acordo com a vontade divina - e tudo conspira para o bem.

Reconheçamos o Espiritismo pelo que ele é, sendo gratos ao Pai Celeste pela oportunidade de termos tantas questões esclarecidas, de recebermos direta ou indiretamente os conselhos e ensinamentos dos espíritos superiores, que tanto nos ajudam. Que os esforços de tantos trabalhadores encarnados e desencarnados não caia no esquecimento e no desmerecimento!


*****

Duas boas notícias:

Primeiro: estou preparando uma versão em francês do blog, com as traduções dos textos postados aqui, para que os ensinamentos espíritas possam alcançar ainda mais pessoas! Em breve colocarei aqui o link!

E segundo: aqui estão algumas fotos que tirei do túmulo de Kardec, no cemitério Père Lachaise em Paris, no último fim de semana. Fiquei muito feliz em ver que era um dos túmulos mais floridos - um perfume delicado (mas bastante perceptível) de rosas envolvia todos aqueles que se aproximavam. Nada menos do que ele merece. (:


 



 "Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sem cessar: esta é a lei."






Bem-Aventurados os Aflitos - Capítulo V - "Perda de Pessoas Amadas e Mortes Prematuras"

Ouve-se muito dizer, quando desencarna uma criança ou um jovem, que a dor é mais profunda porque a morte prematura foge da "ordem natural" das coisas. Ao dizer isso, é como se esperássemos que existisse uma regra onde a doença e o desencarne só chegassem após termos vivido tudo o que tínhamos de viver, após termos "aproveitado a vida".

Nos esquecemos, porém, que as regras não são nossas - e que é bastante possível que aquele que desencarna jovem já tenha aproveitado sua vida da melhor forma possível.

Não temos o mesmo passado espiritual, cada espírito é uma unidade indivisível e única - um indivíduo. Por consequência, não precisamos passar todos pelas mesmas experiências em cada encarnação.  Cada um de nós vivera aquilo que necessita para acelerar seu processo de regeneração e evolução. Temos o hábito de acreditar que uma vida só se completa na idade avançada, após o trabalho, o casamento, os filhos... Mas não existe um padrão a ser seguido. Muitas existências, ainda que breves, são extremamente proveitosas e "completas".

Em nosso egoísmo (motivado pelo sofrimento causado pelo desencarne prematuro de uma pessoa amada), acabamos nos revoltando com os desígnios de Deus. Não aceitamos - ou não queremos aceitar - a ausência. Achamos injusto, cruel.

É nesse momento em que devemos analisar melhor a questão.

Sabemos que estamos em um planeta de provas e expiações, onde passamos por diversas experiências (frequentemente problemáticas) para que possamos aprender com elas. Existe uma razão inteligente por trás de cada acontecimento. Usando da lógica, podemos apenas chegar à conclusão de que no caso de uma morte prematura, o espírito em questão não havia mais necessidade de continuar na Terra.

Vários podem ser os motivos, mas podemos supor duas razões principais:
1. O espírito, sendo merecedor, não precisa passar longo tempo encarnado neste "vale de misérias"; sua evolução pode se fazer de forma mais rápida e eficaz com um desencarne precoce.
2. Por ainda encontrar-se em estado de fragilidade moral, será melhor que o espírito não passe pelas provas duras da vida adulta. Assim, ele poderá desencarnar ainda enquanto jovem, podendo completar sua regeneração aos poucos.

Não nos cabe tentar adivinhar ou julgar qual razão se aplica a tal e tal espírito. Como dissemos, existem diversos motivos para o desencarne precoce - apenas enumeramos aqui, a título de esclarecimento, as razões mais "comuns". Seja qual for o motivo, o importante é nos lembrarmos que esses desencarnes não são nem castigos e nem anomalias. Eles são apenas experiências pelas quais têm de passar o espírito em evolução.

O espírito que desencarna enquanto jovem não está "perdendo" alguma oportunidade. Pelo contrário, é mais provável que a experiência lhe seja benéfica. Não devemos nos angustiar pensando naquilo que o desencarnado poderia ter feito, ou poderia ter vivido. Se houvesse a necessidade de realizar determinadas tarefas através de uma vida longa, o espírito não teria desencarnado precocemente.

A morte prematura não é apenas uma experiência importante para o espírito que desencarna, mas também para seus amigos e familiares. É através de tais momentos de provação extrema que podemos olhar a vida espiritual de forma diferente e aprender, com a dor da ausência, que a separação não é permanente. Somos chamados, quase aos gritos, a dar uma importância à vida espiritual; a relativizar, a perdoar, a buscar consolo, a evoluir sempre e a valorizar nossa experiência terrena.

Aceitemos os desígnios divinos, tendo confiança e fé, sempre; e sabendo, acima de tudo, tirar proveito de todas as situações que se nos apresentam, para evoluirmos e nos tornamos pessoas melhores. Esse é o motivo, afinal de contas, pelo qual estamos aqui e pelo qual temos de lidar com tais situações. Fiquemos em paz.

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